Deus, enquanto ser independente da existência humana, pode existir ou não. E caso ele exista, ele pode ser dotado de uma consciência ou não. Caso ele seja consciente, ele já deve ter se perguntado quem ele é, de onde ele veio, para onde ele vai. E quem o fez. Quem o criou. Quem o desenhou.
Ou então Deus passa por um momento de rebeldia, no alto de sua puberdade intelectual, e diz que ele não foi criado por ninguém. Ele é o fim da escala. Não há nada além dele. Nada pode jamais ser maior do que ele. Esse é um grito de rebeldia, um grito de independência. Que não necessariamente sabemos se é verdadeiro. Há opiniões controversas. Eu não vejo o fim da escala, nem em cima nem embaixo. Nem faço idéia de onde eu me posiciono nela. Esse talvez seja o eterno maior mistério de nossa existência. Jamais poder sequer experimentar viajar pelos degraus dessa escada. Infinita Escala.
Infinitamente contida nessas palavras que escrevo aqui. Recentemente, ao tomar banho, me deparei com um fato. Há uma voz dentro de nossas cabeças. Que fala. Essa voz serve como canal único de comunicação da consciência com o cérebro. Nossa consciência pode ser então definida como nossas palavras, enunciadas em voz alta, dentro de nossas cabeças. As vezes nós podemos controlar exatamente o que sai nesse canal, o que toca nessa rádio neural, digamos assim. Podemos dizer qualquer coisa, a qualquer momento. Esses são considerados os nossos pensamentos conscientes, voluntariamente compostos por nosso motor verbal interno. E isso é transcrito em palavras. Digitalizado em 26 caracteres na nossa caixa de texto mental. "Nossa, olha a calça dessa garçonete, que rabo!".
As vezes, não temos nada a acrescentar ao nosso log de pensamentos e deixamos o microfone em aberto. Nessas horas, podem rolar alguns anúncios e informações importantes. São geralmente dados coletados por nosso Departamento de Compromissos e Horário. Eles tem um escritório chique na zona sul, longe da poluição das neuroelétricas e a menos de 15 minutos do Hipotálamo. Esses caras trabalham dentro do teu cérebro, são células nervosas e tabelas de excel que geram esse serviço pra você. Eles tem um calendário com todas suas tarefas, todas suas preocupações, que você mesmo decidiu acrescentar a sua vida. Por exemplo, surgiu uma festa que você queria ir, mas você precisava do carro do seu broder. Só que na hora que você estava 'falando' sobre isso dentro da tua cabeça, não dava pra ligar pro cara. Qual foi então o pensamento final, dessa auto-conversa cerebral? "Bom, quando eu chegar no trampo eu ligo pro Alemão, então."
Nesse momento a turma do DCH recebeu uma mensagem instantânea. 'QUANDO - EM TRABALHO -> LIGAR - ALEMÃO (CARRO, FESTA, SEXO) [prioridade - baixa]'. Aí já era, tá na responsa dos caras. Sua vida social depende deles. Por que sua consciência não quer nem saber mais. 3,24 segundos depois do último pensamento, os olhos coletaram uma informação completamente diferente do corriqueiro, dentro da cabeça soou, "Caralho, q'quiêsse tiozão quer fazer, mano!?". Daí pra frente os pensamentos se alternaram entre a briga recente com a namorada, os 1.230,00 negativos no cheque especial, o novo gerente no restaurante que é um cuzão, e quando fomos ver o corpo já estava colocando o uniforme de trabalho.
Aí você trabalhou por mais de duas horas sem nem pegar no celular. De repente, num momento quando você não estava pensando em nada, na sua cabeça, a sua voz disse essas palavras, "Putz, eu tinha que ligar pro Alemão! Pra pedir o carro emprestado pra festa!". A Consciência escuta isso e fica louca. Aí ela começa a falar sem parar, "Caralho, q'quieu faço? Dá pra ligar pro cara ainda? Eu to ligado que ele falou que queria ir, mas se já foi fudeu, não vou fazer o cara voltar só pra me pegar, e putz, nem fudendo que eu vou de busão. Ah, vai se fuder, hoje que eu ia comer a Ju? Merda, bosta, saco... (...) Ah, vou ligar pro cara vai."
Percebe o quanto de pensamento aquelas duas sentenças iniciais geraram? E não foi o consciente você quem disse aquilo. Não, o consciente vocÊ estava manjando o rabo da garçonete nova. Que fica gostosinha de calça apertadinha. Eita, tá vendo? Olha a distração aqui de novo. Quem conseguiu enviar aquele aviso foi o DCH. Foi uma nota mental, gerada e processada pelo DCH baseada na sua reação e nos seus pensamentos anteriores. A prioridade era baixa, até porque sua vida está conturbada. Ah, quanta coisa pra pensar. Essa da festa ia ser legal, mas se não rolar também já era. Deixa pra próxima. Logo, eles fizeram o registro, mas nos ciclos memoriais sobre carregados, o anúncio acabou saindo com duas horas de atraso.
Acontece. Experimenta estar naquele dia sussa, sem nada de novo pra pensar, e cadastra alguma notificação semelhante no DCH. 'QUANDO - EM TRABALHO -> COLOCAR UM BANZA - BOCA DO TUBARÃO DE PLÁSTICO.' Qual o motivo? Só para ver se você lembra. E melhor ainda, quanto tempo demora para lembrar. Duas horas vai ver é pouco! Tem gente que vai fazer o registro antes de sair de casa, e o anúncio só sai quando ele tá deitado na cama, pronto pra dormir. "Putz, esqueci total da parada do tubarão!", aí o consciente responde, "po, vou tentar lembrar amanhã.". Quinze minutos depois o inconsciente entra pra trabalhar. Ele assiste a um resumo do dia, material de arquivo e prepara um filme. Um longa com roteiros geralmente esquisitos. Mas com produção e atuações impecáveis. Porra, pensa bem, quando foi a última vez que você viu um microfone entrar em cena, ou um dos figurantes começar a rir em algum de seus sonhos recentes? Os meus são sempre produções de qualidade. Só os roteiros que são meio cansativos, ah o que eu não daria para poder sentar naquela sala de escritores, dos roteiristas dos meus sonhos. Acho que eles iam me expulsar logo na primeira reuniãio. Putaria demais.
(...)